terça-feira, 2 de junho de 2009

Para os professores

O diálogo entre os textos

Literatura

Objetivos
Entender os conceitos de paráfrase, paródia e epígrafe e as demais relações entre os textos, revisar cronologicamente alguns momentos da história literária.

Conteúdo relacionado
Reportagem da Veja: Modelo lusitano

Introdução
Quem não ouviu falar nas aventuras de um náufrago inglês numa ilha deserta, em luta pela sobrevivência? Ou nos delírios do cavaleiro andante que investia contra moinhos de vento, vendo neles temíveis gigantes? Ou no ardil do cavalo de madeira que deu aos gregos a vitória na guerra de Tróia? Tais histórias vêm apaixonando gerações. Seus episódios, que já preencheram inumeráveis serões familiares, são hoje recontados em versões resumidas para o público jovem, em quadrinhos, filmes e desenhos animados.

Desse modo, tornaram-se conhecidos mesmo por quem não leu a versão original das obras-primas que os apresentam: Robinson Crusoe, do inglês Daniel Defoe (1680-1751), D. Quixote, do espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616) e a Ilíada, atribuída ao grego Homero (séc. VIII a.C.). Por tudo isso, quando pesquisadores sugerem que Defoe "beira o plágio" de relatos portugueses do séc. XVI, a notícia ultrapassa os limites da Academia e ganha a imprensa, com a reportagem de VEJA.

As influências entre textos literários, contudo, não se restringem à oposição "inspiração genuína x plágio". Ricas e complexas, elas configuram o campo da intertextualidade, a recriação, as influências e outras relações que ocorrem entre duas ou mais obras da mesma natureza ou até de naturezas diversas. Os mais conhecidos tipos de intertexto são a paráfrase, a paródia e a epígrafe.

Atividades

1. Plágio ou inspiração? - Leia com os alunos a reportagem "Modelo lusitano", destacando os trechos: "Era natural que esses textos inspirassem outros escritores europeus" e "No caso de Defoe, contudo, a inspiração beira o plágio".

Em seguida, poderão ser discutidos os termos "inspiração" e "plágio". Segundo o Aurélio, plagiar é assinar ou apresentar como sua uma obra artística ou científica de outrem; imitar ou copiar trabalho alheio. Mas onde termina o apoio numa obra inspiradora e começa o plágio? Muitos processos sobre plágios musicais correm na justiça, em virtude dessas fronteiras nebulosas.

2. Tipos de intertextualidade - A partir dessas discussões, e do exame das diferenças entre "copiar", "imitar" e "inspirar-se em", seus alunos poderão chegar à definição básica de intertextualidade. Proponha em seguida o estudo de textos, distinguindo:

  • paráfrase: reprodução da idéia de um texto com o emprego de outras palavras e outra montagem.
  • paródia: inversão proposital do sentido de um texto, por meio da ironia.
  • epígrafe: uso que um autor faz de um fragmento de texto de outro autor, para apoiar sua visão pessoal.

Os tipos de intertexto podem ser exemplificados por algumas das "canções do exílio" da literatura brasileira, inspiradas na Canção do Exílio de Gonçalves Dias, de 1843. Podemos citar, entre as paródias, o poema Migna Terra, de Juó Bananere (escrito na década de 1920 em "dialeto ítalo-paulista"), Canto de Regresso à Pátria, de Oswald de Andrade (1928), e Canção do Exílio Facilitada, de José Paulo Paes (1986).

3. Leve os alunos a comparar a Canção do Exílio com as paródias apresentadas no box, e também com o poema Europa, França e Bahia, de Carlos Drummond de Andrade, escrito em 1930 (exemplo de paráfrase), e a canção Sabiá, de Chico Buarque de Holanda (exemplo genérico de intertextualidade). Nesta análise comparada, é importante salientar sempre a data das obras. Em seguida, peça a cada aluno para escrever sua própria "canção do exílio".

4. Compare com os alunos trechos de Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, romance de 1853, e da peça Vidigal ¬ Memórias de um Sargento de Milícias, escrita por Millôr Fernandes em 1981.

5. Organize um trabalho interdisciplinar com a área de Educação Artística. Nesse caso, serão examinadas algumas relações entre obras de artes plásticas e obras literárias. Destaque a ressonância entre a literatura e as artes plásticas de uma determinada época. No Romantismo brasileiro, por exemplo, tanto na literatura quanto na pintura, o índio, símbolo do nativismo, foi uma figura celebrada. No Simbolismo, o mistério, a magia e a recusa da razão estão presentes na literatura, na pintura e em outras artes.

Além disso, mostre aos alunos como os recursos da criação intertextual agem nas artes plásticas: uma obra-prima inspira outros trabalhos, embora ocorram variações temáticas e de estilo. Pode-se comparar, por exemplo, a Pietà, de Michelangelo (1498), e Criança Morta, de Cândido Portinari (1944).

Canções do Exílio: Intertextos

Gonçalves Dias
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

(...) Não permita Deus que eu morra
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu´inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Juó Bananere
Migna terra tê parmeras,
Che ganta inzima o sabiá.
As aves que stó aqui,
Tambê tutto sabi gorgeá.

(...) Os rios lá só maise grandi
Dus rio di tuttas naçó;
I os matto si perdi di vista,
No meio da imensidó.

Oswald de Andrade
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra

(...) Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo

José Paulo Paes
lá?
ah!

sabiá...
papá...
maná...
sofá...
sinhá...

cá?
bah!

Intertextualidade e história da Literatura
Com base no conceito de intertextualidade, faça uma revisão cronológica dos grandes movimentos de nossa literatura, enfatizando temas de uma época que foram retomados por outra. Exemplos:

Arcadismo como retomada do Classicismo renascentista e este como retomada da literatura greco-romana (em Portugal e no Brasil). Os árcades do século XVIII, que se declaravam herdeiros espirituais dos pastores e poetas da Arcádia, região da antiga Grécia, afirmavam em suas obras a visão idílica da vida no campo e buscavam a simplicidade, rompendo com as formas rebuscadas do Barroco. Tomás Antônio Gonzaga (1744 - 1819), poeta e inconfidente, é um dos árcades mais conhecidos.

Romantismo como retomada da literatura medieval (na Europa), em oposição ao Classicismo. Um exemplo é o romance histórico, criado por Walter Scott (1771-1832), numa mescla de medievalismo e nacionalismo.

Simbolismo como retomada do Romantismo, negando a “rigidez” das formas do Parnasianismo e também a “crueza” do romance naturalista. Entre os simbolistas brasileiras destaca-se o poeta negro Cruz e Sousa (1851-1898). Por meio desses ejemplos de retomada/ruptura, será possível explorar o conceito de movimento “pendular” na história da Literatura.


BIBLIOGRAFIA
Paródia, Paráfrase & Cia., Affonso Romano de Sant’Anna, Ed. Ática.
Consultoria Carlos Emílio Faraco, professor de literatura e autor de livros didáticos para o Ensino Médio.

Publicado pelo site Nova Escola: http://www.novaescola.com.br/

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